sexta-feira, 20 de abril de 2012

O DILEMA DAS AULAS PARTICULARES


O baixo rendimento de um aluno ao longo do ano costuma levar a família a uma corrida contra o tempo: para que ele não perca o ano letivo, sobrecarrega-se o filho com aulas particulares no quarto bimestre.


A atitude, porém, é reprovada pelos especialistas em educação. Além da pressão psicológica e do cansaço físico que acarretam, as aulas particulares podem enfraquecer o compromisso da escola com o ensino. “Não mais do que 3% a 7% das crianças apresentam alguma dificuldade real de aprendizado – decorrente, por exemplo, de problemas de visão ou audição, dislexia ou algum tipo de comprometimento neurológico”, diz Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Fora desse universo restrito, cabe ao time pedagógico da escola atender de forma eficaz os alunos com diferentes ritmos de aprendizado, elaborando estratégias de ensino diversificadas e oferecendo plantões ou aulas de reforço. A seguir especialistas comentam os pontos que devem ser avaliados quando as notas vêm baixas.

Participação dos pais

O primeiro passo para entender porque seu filho está indo mal é acompanhar de muito perto a vida escolar dele. Oferecer um espaço tranquilo para que ele estude, supervisionar seus boletins, conferir sua lição de casa e anotações feitas em aula, nos cadernos – além de ouvir com atenção o que ele tem a dizer sobre a escola e os professores -, são deveres dos pais. O objetivo não é pressionar o aluno a se destacar dos colegas nem fazer a lição de casa por ele: é dar amparo para que ele progrida por seus próprios esforços. É uma boa ideia também estimular o interesse pelas matérias nos horários de laer, comprando livros ou visitando exposições. Finalmente, é fundamental que os pais conversem regularmente com os professores, para conhecer em profundidade o método do colégio e o comportamento do filho no ambiente escolar. “O sucesso do aluno depende da parceria dos pais com a equipe pedagógica”, diz Rui Alves, diretor de ensino do Colégio pH, no Rio de Janeiro.

Empenho do aluno

É preciso avaliar – e reconhecer – quando é a própria criança ou adolescente quem criar barreiras para o aprendizado, ao negligenciar o que é dito em sala de aula, ignorar as lições de casa e recursar-se a participar de atividades organizadas pelo colégio. Escassez de anotações ou informações incorretas no caderno são sinais de desorganização e desatenção. “Na maioria das vezes, é a falta de disciplina do aluno o motivo de seu baixo rendimento”, diz Adilson Garcia, diretor do Colégio Vértice, em São Paulo. A saída, aí, é estabelecer uma disciplina para a criança e acompanhá-la passo a passo, todos os dias, até que ela tenha se tornado uma segunda natureza. Vai dar um trabalho danado, mas vale a pena. A lição fica para a vida toda.

Metodologia de ensino da escola

A explicação para o desânimo do aluno pode estar no método da escola. Se em casa a criança usa o computador ou o tablete, joga games e tem acesso a internet, é natural que se sinta entediada quando a obrigam a passar horas copiando frases da lousa. “A metodologia deve ser compatível com a realidade do aluno. Uma criança cercada de tecnologia precisa de dinamismo para motivá-la”, diz Silvia Cotello, da USP. Ou seja: não adianta, por exemplo, tentar compensar o ambiente liberal de casa escolhendo uma escola rigorosa e conservadora. O único resultado será tornar a criança infeliz e desconfortável. A especialista lembra ainda que irmãos podem não se adaptar a mesma instituição de ensino. “Muitas vezes, a escola que é boa para um filho é ruim para o outro”. Nesses casos, em vez de tentar mudar o filho, pode ser mais produtivo mudar de colégio.

Dificuldade em habilidades básicas

A criança até parece levar jeito para o raciocínio matemático – mas, na hora de resolver a lição, não sabe nem por onde começar. O problema talvez não esteja na matemática, mas sim no português: é o enunciado da questão que ela não entende. Nesses casos em que a dificuldade de aprendizado não está associada ao conteúdo da matéria, é claro que as aulas de reforço daquela disciplina não vão adiantar nada. Se os professores da criança não se tocaram desse fato comum da vida, é sinal de que eles é que não estão prestando atenção na sula. Converse, cobre, insista e encoraje: reforços bem direcionados em geral bastam para pôr tudo de volta nos trilhos. “Os professores e pedagogos têm de ser capacitados para identificar dificuldades com habilidades básicas como leitura e interpretação de texto ou compreensão das sentenças matemáticas”, explica Neide Noffs, coordenadora do curso de psicopedagogia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Defasagem de conteúdo

Segundo os especialistas, trata-se de única situação em que as aulas particulares são benéficas. A defasagem acontece principalmente quando a criança muda de escola e passa a frequentar uma instituição mais exigente, ou quando se afasta por período longo, por doença ou outro problema familiar. Nesse caso, as aulas de reforço são a melhor solução para o aluno alcançar o nível os colegas. Outra possibilidade: o aluno diz que vai mal em química porque “detesta” a matéria. Aí, volta-se ao segundo item deste guia, aquele referente ao empenho: não se pode fazer só aquilo de que se gosta, e o emprego do aluno é estudar……

O momento para começar

Em geral, os pais aflitos recorrem às aulas particulares aos 45 minutos do segundo tempo, como uma medida desesperada para salvar o ano letivo. “É um erro grave deixar as aulas de reforço para o último bimestre, pois o conteúdo que o aluno deixou de aprender nos primeiros meses seria justamente a base para o resto do ano. Sem esse conhecimento básico, as dificuldades nos meses seguintes são inevitáveis”, diz o professor Garcia. Os colégios que oferecem aula de reforço e plantões de dúvidas aos alunos com rendimento insatisfatório procuram resolver o problema assim que ele surge. No Vértice, em São Paulo, e no pH, no Rio de Janeiro, por exemplo, o reforço entra em cena assim que aparecem as primeiras notas baixas, nos primeiros meses do ano letivo. Trocando em miúdos, o primeiro bimestre é o da avaliação; o segundo, o da ação.

Transtorno ou travessura?

Os especialistas alertam para o excesso de diagnósticos de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TFHA) entre crianças na fase escolar.

Com tantos estímulos – celulares, games, computadores -, as crianças multitarefas podem se entediar facilmente ao realizar tarefas que consideram monótonas. Quando obrigadas a permanecer sentadas por várias horas na sala de aula, então, a perda de paciência e concentração é quase inevitável –e, na esteira dela, vêm as notas baixas. Daí para a suspeita de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade é, hoje em dia, um passo. O questionário mais comumente usado para diagnosticar o distúrbio, porém, não é unanimidade entre os especialistas. A psicóloga Marilene Proença, da Universidade de São Paulo, explica: as perguntas não são contextualizadas nem sofrem adaptação para diferentes faixas etárias. Ou seja, questões como “tem dificuldade para esperar sua vez?” e “fala em excesso?”, além de subjetivas, servem para avaliar crianças de 3 a 12 anos, que têm noção de tempo muito diversas e estão em estágios de sociabilidade distintos. Marilene Proença é membro da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional e do Fórum sobre Medicalizacão, grupo composto de pediatras, professores e outros profissionais de saúde e educação que discute o uso de medicação para tratar comportamentos. “O limite entre as atitudes típicas da infância e um distúrbio neurobiológico é em parte cultural e nem sempre objetivo”, diz a psicóloga. O tratamento envolve medicamentos que têm forte impacto sobre o sistema nervoso central e podem causar efeitos adversos como dor de cabeça, náusea e taquicardia. “Um diagnóstico impreciso de TDAH implica usar medicação para resolver um problema que na maior parte das vezes é pedagógico”, diz Marilene. A recomendação, portanto, é de cautela: se houver suspeita da TDAH, o ideal é buscar o veredicto de vários profissionais antes de decidir-se pelo emprego de medicamentos.

Estudar por lazer

Parece sonho, mas alguns alunos gostam, e muito, de estudar. Quando há facilidade em aprender e interesse maior da criança por uma matéria especifica, os pais chegam a um (agradável) impasse: investir no talento do filho com atividades relacionadas à disciplina preferida, ou abordar outras áreas do conhecimento a fim de manter o equilíbrio? Segundo os especialistas, todo incentivo é bem-vindo. Ou seja, se a criança gosta de literatura, de fato vale estimular o escritor potencial que há nela. Mas não sem antes considerar algumas questões:

1 – É importante garantir que a criança tenha um tempo reservado às brincadeiras, sem responsabilidades de cumprir horários e tarefas.

2 – Os pais não devem descuidar das outras áreas acadêmicas. Ou seja, as atividades extras não devem sobrecarregar a criança nem afetar as notas de outras disciplinas.

3 – O ideal é diversificar, mesmo que dentro da área de interesse da criança. Se ela demonstra fascínio pelas aulas de artes, pode frequentar cursos de desenho, pintura e música. Para os que têm facilidade em matemática, há cursos de informática, robótica e até aeromodelismo.

4 – Ensino os colegas de escola que precisam de uma mãozinha na matéria é um excelente exercício, já que criar explicações para fazer o outro entender reforça o conhecimento. Também para o amigo-aluno há vantagens: “É mais fácil aprender quando se é ensinado por alguém da mesma idade”, diz a psicopedagoga Neide Noffs, da PUC-SP.

11/04/2012 | Revista Veja - SP (Guia Veja) - pag.: 116-118

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